quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Como vi nascer um escritor

No ano passado, alguns amigos e eu resolvemos formar um grupo de teatro e montar uma nova peça, hoje estamos em quatro meninas e logo teremos novidades para contar. Uma das nossas primeiras necessidades foi arrumar um espaço para ensaiar. Então dei um Google e achei uma moça que alugava um galpão - o nome dela era Tatiana, bailarina.

Todos os detalhes do pagamento resolvemos por telefone, ela pediu que eu deixasse o dinheiro com o pai dela, que morava na casa onde estava o galpão. Fomos para lá e conhecemos o André. Descobri que o cara, além de engenheiro, arquiteto, bailarino e artista plástico, era também escritor. Alma inquieta. Mas, naquela época, ele estava sem coragem de assumir sua nova faceta.

- Você é jornalista? Sabia que eu também escrevo?
- Ah é? O que?
- Estou finalizando um livro, mas já faz bastante tempo...
- André, tem uma hora que o negócio tem que nascer...

O diálogo não foi bem esse, mas seguiu nesse tom... E, sempre que nos encontramos, ele faz questão de falar como foi importante ouvir esta frase no final do ano passado, naquela época de apagão e trânsito...

Dias depois, ele mandou um motoboy na minha casa com uma cópia - queria meu olhar sobre o trabalho dele. Durante alguns meses, conversamos, mudamos trechos, incluímos outros... Fui detalhando os pontos fortes e minhas frustrações com a leitura... Até rolou discussão acalorada sobre nossa visão a respeito do papel da arte. Até que o André chegou à versão final do seu "Eu-livro".

Fala do encontro entre uma menina, um homem e velho sábio no Morro da Dona Marta, no Rio, que se dá em torno de uma carroça de ferro velho. Um enredo muito louco, que nos deixa em dúvida se acontece (ou não) no plano da realidade. O mais interessante é que o narrador é o próprio livro (daí o título), que estabelece com o leitor, por metalinguagem, um diálogo direto e cheio de ironias.

"Vocês verão, verão não, inverno, inverno não, no verão mesmo, verão em um dia quente de inverno, quem é o personagem mais importante deste compêndio.

Sou Eu-livro, justamente em quem agora você está pondo as mãos, ou melhor, dedos e mais dedos, talvez sujos e contaminados".

Além das manifestações do Eu-livro em primeira pessoa, que são muito divertidas, há também o caso de amor entre a Moreninha (a tal adolescente) e o Cara (este homem de meia-idade). O autor ainda provoca o leitor usando muitas de suas poesias e viagens astrais do Cara em torno da física quântica, em suas alucinações.

Leitura boa, provocativa e divertida!

Quem tiver interesse pode comprar aqui na Livraria Cultura.

***

André, a maravilhosa escritora Angela Lago falou em seu Facebook que ouviu alguém comentando sobre a falta de segurança das pessoas que colocam a vida na internet. E ela pensou: "e eu que coloco minha alma na rua, em livros, há 30 anos?". É, meu amigo. Tem uma hora que o escritor tem que colocar sua alma na rua. Todo artista tem, ninguém melhor que você para saber disso.

Parabéns e muito sucesso!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Saga do anti-herói

Desde agosto, está em cartaz no Satyros o espetáculo Roberto Zucco, peça do dramaturgo francês Bernand-Marie Koltès, agora dirigido por Rodolfo Garcia Vasques. É baseado na história dos últimos dias do assassino italiano que dá o nome à peça, depois que mata várias pessoas, inclusive seu pai e sua mãe.

Tenho um carinho especial por esta montagem porque participei do começo de seu processo e fiz amigos queridos. Foi gostoso vê-los interpretar um texto contemporâneo que é simplesmente brilhante. Construído em cima de monólogos e diálogos triviais e ao mesmo tempo poéticos, que mostram a histeria e desespero interno de cada personagem, na relação com ou falando sobre Zucco.

Koltès escolhe arquétipos bem marcados. Os policiais tolos que se acham muito espertos. A mãe amedrontada que morre enforcada. A menina boba que perde a virgindade e se apaixona. A irmã mais velha, solteirona. As prostitutas que acompanham toda a trajetória do anti-herói. O velho amedrontado da estação de metrô. Zucco serve de espelho para que eles se revelem, e vice-versa.

Dos queridos que estavam no palco, o destaque é a Maria Casadevall - ela é uma das melhores atrizes que eu já vi em cena e é a melhor de Zucco também. Se você for assistir à peça, preste atenção: ela faz a senhora do parque.

Assim como em Hipóteses para o Amor e a Verdade (também em cartaz nos Satyros), Rodolfo usa imagens em vídeo. E criou a arquibancada móvel, pela qual a plateia é conduzida pelos próprios atores para diferentes espaços a cada situação vivida por eles. Divertido para quem assiste e inovador como recurso de encenação.

Vale muito a pena ver.
Mais informações em http://satyros.uol.com.br.
Depois que assistir, volte aqui e diga o que achou.

Na foto:
Robson Catalunha (Zucco) e Maria Casadevall.
Crédito: Marcelo Ximenes (que também está no elenco).

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Um dia de sol

Era um final de semana quente de outubro. Faltavam alguns dias para terminar minhas férias e descobri que estava acontecendo um festival de teatro, o Satyrianas. Então fui até a Praça Rooselvelt - nunca tinha nem pisado lá.

Coloquei uma bermuda jeans e um boné azul esquisito, lembro até hoje como estava (mal) vestida. Um dia muito brilhante, como naquelas tardes da infância que a gente se mata de tanto brincar, era este o meu estado de espírito.

Conheci pessoas interessantes e fiquei entrando de peça em peça. Vi tudo o que podia. Dois meses depois, estava eu lá de novo, na oficina de férias do Satyros para iniciantes, com o próprio diretor do grupo, o Rodolfo Garcia Vasques.

Como conclusão do processo, apresentamos o "Minhas Férias", desenvolvido em cima dos depoimentos pessoais dos atores sobre situações da infância.



Depois fui chamada para participar de um dos Núcleos Experimentais do Satyros, onde montaríamos um espetáculo orientados por um diretor convidado. E o resultado é o R.E.M., com o qual estamos em cartaz desde junho.

Até quando a Praça será meu gueto, não sei. Só sei que foi lá que lembrei que um dia quis ser atriz e que poderia retomar este sonho. E neste clima gostoso de outubro descobri que lá as portas estariam abertas para mim.

Tem fotos aqui.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Coisas de criança

O Brincando na Rede é um dos projetos que mais sinto orgulho em ter participado. O site nasceu em 2001 pelas mãos de um amigo querido, que na época era um dos diretores do Banco Real (onde trabalhei).

Ele teve a genial ideia de criar um canal onde as crianças pudessem brincar livremente. Com jogos, ferramentas de estímulo à coordenação motora, piadas (sadias, é claro), adivinhações e literatura, muita literatura. No período em que estive por lá (2007-2010), estudei muito este assunto e conheci autores incríveis.

Outro diferencial do site é que ele trata de temas importantes da sustentabilidade (meio ambiente, cidadania, diversidade, cooperação etc.) e os transforma em brincadeiras, deixando estes conteúdos leves e divertidos.

Foi desta imersão e interesse pelas questões da infância que, numa iniciativa pessoal, minha amiga Mariana Menezes e eu criamos nosso próprio blog, o Quintal da Vó.

Nele, escrevo bastante sobre livros infantis, enquanto a Mari tem um olhar mais apurado sobre maternidade e sustentabilidade: ela é autora de uma maravilhosa tese sobre consumo na infância, materia que explora com muita competência nos posts do Quintal.

Atualmente ela é a principal responsável pelo blog, eu sou colaboradora. Sempre que o assunto for sobre infância, o texto será publicado lá com link para cá.

Num dos últimos posts do Quintal, a Mari fala sobre o lançamento do "Vestida para Espantar Gente na Rua", primeiro livro infantil da amiga e artista talentosa Miki Watanabe (ela escreve e ilustra). Uma história autobiográfica, em que a autora conta como usou sua paixão pela moda para descobrir, aceitar e revelar sua própria identidade. Mostra para os pequenos leitores como é importante respeitar a individualidade das pessoas e como a diferença entre elas pode ser muito divertida.

Sensível e imperdível!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Vivendo o sonho

Desde junho, estou em cartaz com a peça R.E.M. – Rapid Eye Movement, nome dado ao estágio do sono em que os sonhos parecem reais. O espetáculo é uma livre adaptação do texto “O Sonho”, escrito pelo sueco August Strindberg em 1901.

Conta a história da deusa Agnes, que desce a Terra para conhecer a vida dos homens “para saber se é tão ruim assim”. Em sua jornada, passa pelas principais experiências humanas: nascer, ter um diploma de doutor, casar, perder ou ser abandonado por alguém, buscar um grande amor que não existe... Parece pesado? E é, mas muito bonito também.

Ela presencia ou vive estas situações, questionando o sentido de cada uma e tentando entender o por que de tanta dor. Não compreende porque uns são tão ricos e outros tão pobres. E vai aos poucos descobrindo como se dá, em diferentes contextos, a relação entre opressor e oprimido.

Cada personagem de caráter humano representa um tipo específico de sofrimento. Eu interpreto a Porteira, que foi abandonada por seu noivo há trinta anos, levando também seu talento como bailarina. Há vinte e seis, ela tece um xale, onde estão guardadas suas dores e as dos outros. Agnes pede para ficar com ele enquanto cumpre sua jornada.

A montagem é resultado da combinação do belíssimo e poético texto de Strindberg com a linguagem expressionista adotada por Valcazaras. Forte trabalho de luz, som e ritmo do elenco, dando à platéia a dimensão de um sonho (ou de um pesadelo), por meio da escolha de imagens lindamente desconstruídas.

Nesta montagem, também tive a oportunidade de desenvolver a dramaturgia das cenas de Indra, deus do arco-íris e pai de Agnes. Nessa fase do processo, me dediquei ao estudo dos mitos hindus ligados principalmente a esta figura.

Quer assistir?

Espaço dos Satyros Dois
Praça Franklin Roosevelt, 134
Sextas, às 23h59. Até o final de novembro.
R$ 10; R$ 5 estudantes, classe artística e terceira idade.

Cheguem meia hora antes para garantir lugar.

No meu Flickr, tem fotos do elenco no camarim. Foram feitas pelo Renato Kbello, namorado da Nathaly, uma das atrizes da peça (atual protagonista).

Abaixo, fotos do querido fotógrafo Marcelo Ximenes.
















Mais fotos no blog Cacilda, por Lenise Pinheiro e Nelson de Sá, da Folha.




segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Bem-vindos!

Meu nome é Renata, tenho 31, sou jornalista, escritora, atriz e dramaturga. Estas atividades se revezam, mas todas são igualmente importantes na minha vida e na minha história.

Não sou muito chegada a "rótulos", às vezes soa meio arrogante. Prefiro pensar em caminhos escolhidos, até porque nada precisa ser tão definitivo.

Mas o que me deixa mais feliz foi ter encontrado um veio que faz sentido para mim: falar desta louca e maravilhosa viagem que é a experiência humana, seja por meio de um livro, de uma reportagem ou de um personagem.

Nesse blog, quero compartilhar os processos ou resultados de todos os meus trabalhos e, vez ou outra, colocar aqui minha opinião ou notícia sobre estas áreas.

Espero que gostem.