domingo, 24 de julho de 2011

Qual é a busca?

Tem outro clichê do teatro que adoro. Adoro porque é mais do que um clichê, é uma verdade. Quando a gente acaba de ver uma boa peça, fica sempre uma pergunta que perturba e pode até nos perseguir a vida toda. Se ela der uma resposta, desconfie: os livros de auto-ajuda já tentam dar conta disso.

Em "45 minutos", Caco Ciocler, que interpreta um ator decadente, questiona o próprio ofício, como se perguntasse a si mesmo: "o que estou fazendo aqui?", "o que fiz da minha vida?", "para que serve meu trabalho?", "o que as pessoas esperam de mim?". Leia a sinopse aqui.

A grande sacada é esta crise compartilhada com o público. Compartilhada não, jorrada na cara dele, e os sentimentos são muitos. A gente vai do profundo tédio até uma angústia absurda, também pela exposição do ator.

Sério, a "vergonha alheia" está presente o tempo todo. Pelo personagem que se substima e pelos pedidos agressivos e reações inflamadas da platéia, especialmente quando ele pergunta o que deve fazer para entretê-la.

Tem de tudo. Quando eu fui, um cara pediu para que ele fizesse qualquer "ceninha" de um ator global como aquele tal de "Caco Cicocler". Sim, o idiota teve as manhas de errar o nome do ator. São nesses momentos que você entende o brilho do texto e da direção, simplesmente porque já se pergunta por que mesmo esse cara se deu ao trabalho de sair de casa, qual é a busca dele.

Pouco depois, Caco dá um monólogo de Hamlet lindamente e responde em seguida: "esse foi Shakespeare interpretado por uma ator da Globo". Pena que não consegui colocar para fora o que veio na minha mente para meu colega do público, minha educação não permitiu.

Um outro pediu "leia aí alguma coisa do Paulo Coelho", no que uma moça gritou um "não" que saiu do fundo da alma. Foi nervoso, foi interessante, coloca em cheque o que está dentro da gente, nossa estupidez, valores, certezas.

É um dedo na ferida, tanto na hora quanto nas críticas. Li algumas, positivas e negativas. Acho isso muito rico. É isso o que estes artistas esperam, é isso o que eles se propuseram a fazer. No final, é este o papel da arte (pelo menos na minha opinião): provocar, desarmonizar, acessar forças que nem nós conseguimos entender racionalmente.

Mas tem quem não perceba o jogo e prefere vociferar. Faz o mesmo que o personagem: coloca para fora seu conteúdo interno. A indiferença seria sair da sala, atitude estimulada por ele nos dez primeiros minutos. Quando fui, não aconteceu. Pelo que me parece, poucos saem. Por que será?

Fico feliz quando uma obra desorganiza. Não ligo a mínima quando alguém não gosta de alguma boa montagem e, mais feliz ainda, quando reage, significa que algo importante foi acessado. É o que vale. O resto é show business.

Além das perguntas que pertubaram ("o que a gente busca quando está na frente de uma obra?", "o que a gente busca nas nossas próprias vidas?"), vem a certeza de que aquele artista está preso ao teatro de uma forma sagrada, maior que ele. É para isso não existe remédio nem volta.

Recomendo não porque foi o melhor espetáculo da vida, mas porque reflexões como estas são muito bem-vindas!


Elenco: Caco Ciocler
Direção: Roberto Alvim
Texto: Marcelo Pedreira

Nenhum comentário: