Ao contrário do que seria natural, li "Esculpir o Tempo" antes de assistir aos filmes, livro que também pode ser considerado uma biografia, só que menos pessoal e mais artística. Encontrei ali sua visão da arte, sua compreensão do papel do cinema (e do cineasta), sua trajetória de vida, o processo de trabalho de seus filmes, histórias sobre a rica e amorosa troca com seu público, da relação complicada com os críticos e do compromisso de fé que, na sua opinião, o artista deve assumir com a humanidade, de uma maneira divina e transcendente, como ele mesmo fez.
"O gênio não se revela na perfeição absoluta de uma obra, mas sim na absoluta fidelidade a si próprio, no compromisso com sua própria paixão".
Em seguida, assisti "O Espelho" e fiquei absolutamente transtornada, mas sem entender direito porquê, pelo menos na primeira vez. A câmera é o olhar da criança que ele foi em sua infância na Rússia, um registro tão verdadeiro que somos capazes de sentir o cheiro da cozinha da mãe e o vento gelado da tarde que bate no rosto quando se tem seis anos idade e ainda não se consegue apreender a lógica do mundo. Esta nostalgia (sentimento que inclusive dá nome a outro de seus importantes filmes) é uma marca constante em sua obra.
Fora da caixa da narrativa clássica, ele transforma estados de espíritos em imagens poéticas de imensa beleza estética, como se cada enquadramento fosse uma pintura. E, por meio desta voz memorialista, apresenta-nos os aspectos mais inexoráveis da existência humana, como o passar do tempo, a força da ancestralidade e os laços que nos prendem às origens.
De alguma forma, ele resumiu ali um pouco do que, de maneira utópica, eu gostaria de ser capaz fazer com o conteúdo da experiência humana, sem frescuras e com verdade. Posso dizer que explicou algo sobre mim mesma que, sozinha, eu jamais conseguiria entender.
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