segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O samba do adeus

Aquela era a última vez que Diana entrava no barracão, vazio. A máquina de costura de Dona Zizinha, que não parou de trabalhar no último mês, agora estava desligada. Enquanto a bela mulata recolhia as latinhas de cerveja dos ensaios e as bitucas de cigarro espalhadas pelas muretas, as lágrimas corriam incontroláveis pelo rosto. Cada pedaço dos carros alegóricos, ali jogados pelo chão, lembrava um segundo do que tinha vivido há poucos dias, quando todos os holofotes e os olhos de todos os homens estavam voltados a ela.

Os gritos de guerra da sua escola agora davam lugar aos ressoares das televisões distantes daquela Quarta-Feira de Cinzas, dia de apuração. Enquanto ouvia o anúncio de cada nota, continuava no seu ato redentor de limpar aquele espaço onde jamais entraria novamente. Consumia aquele momento como nenhum outro em sua vida, como se quisesse guardar na pele e na memória aqueles que tinham sido seus dias de glória.

- Vá embora, minha filha. É o melhor que você faz.

O conselho não saía do pensamento. Ele veio, no dia anterior, da própria Dona Zizinha, a baiana mais querida da agremiação. Pouco tempo depois do fim do desfile, ainda com as fantasias no corpo, conseguiram achar um lugar na dispersão onde ninguém pudesse vê-las, bem atrás de um velho banheiro desativado. Sentarem-se no chão de asfalto quente da madrugada, onde a menina, com o rosto molhado, manchado pela maquiagem dos olhos, pôde deitar a cabeça em cima do enorme vestido branco da velha sambista. 

As palavras saíram engasgadas do coração doído daquela mãe postiça que via sua menina pela última vez. As duas aos prantos, num abraço apertado e desesperado, cheio de uma saudade antecipada.

- Como vou ficar sem você, mãezinha?

- Que mamãe Oxum te projeta, filha minha.                                                                            

E era ele, o coração, que pedia para ficar. Ele e os olhos verdes do diretor da escola, o moreno Ezequiel, também conhecido como Gavião. O desejo violento que sentiam um pelo outro ganhou um impulso ainda maior no começo dos ensaios daquele ano, quando Diana já havia deixado para trás a última sombra de sua meninice. Uma paixão que os invadiu sem nenhum espaço para qualquer tentativa de racionalidade e bom senso e agora estava prestes a arruinar três vidas. 

A terceira delas, e mais afetada, era a de Deusa, casada com Ezequiel há vinte anos, mãe de seus três filhos e também a mulher mais respeitada da comunidade. Tinha uns quarenta e poucos anos e era do tipo guerreira, cuidadora, que entra em briga para defender família, amigos e qualquer pessoa de bem que frequentasse o barracão.

As traições de Ezequiel trataram de acabar com o amor próprio de Deusa, que com ou sem carnaval estava sempre a seu lado, e também minar a moral da escola que, neste ano, estava a um passo do rebaixamento. Como se uma névoa de raiva e rancor tivesse baixado naquele lugar que sempre foi de alegria.  

E lá no fundo de seu sentimento de mulher, a inveja de quem já não gozava mais daquela maldita beleza perfeita de quem tem vinte e três anos de idade, de quem por onde passa irradia... A inveja que vinha daquela mulher, ainda bonita, que um dia já foi a mais imortal das passistas, de quem já foi princesa, de quem já foi rainha.

- Você também vai envelhecer.

Como quem ainda estava longe de saber o que era isso, Diana lavou as mãos no lavatório do barracão, pegou sua bolsa numa das cadeiras de plástico e, ao sair, percebeu que Gavião estava ali olhando para ela, talvez não por muito tempo, mas há alguns minutos. Os mesmos olhos apaixonados que não se esfriaram diante da sua realidade, que foi sua um dia e agora se apresentava como nova.

Não correram um para o outro, não se abraçaram, não repetiram nada. Num gesto delicado, cheio de respeito e gratidão, ela abaixou a cabeça, como quem salda e despede-se de um bamba do samba. 

***

(Este conto terá uma nova versão um dia). 

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