sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Adriano

Esta é a rua do diabo.
Esta foi a rua do garoto que um dia carregou um nome, mas que por ele nunca foi chamado.

- Não quero você perto deste herege. 

As mães tinham horror quando ele se aproximava dos outros meninos, mesmo aqueles que pareciam tão atentados quanto. Costumava botar o pé na rua bem no meio da tarde, lá pelas três. Era quando começava uma gritaria de mulher chamando pra banho, pra lição de casa, pra jantar que seu pai já chegou... Tudo, menos que ficassem perto, era perigoso. É filho do coisa ruim, acreditavam. Já o padre dizia que o que ele precisava mesmo era de um bom corretivo.

- No meu tempo, a coisa era resolvida na base do sarrafo. 

O menino-diabo, por onde passava, deixava a marca da desgraça. O esperto que se aventurasse a integrá-lo no time de futebol, por pena, medo ou vontade de chamar a atenção, saía no mínimo com um nariz quebrado. Uma torção no tornozelo virava caso para cirurgia. Nem o valente da turma, nem o mais inteligente, nem o gente boa ou nem mesmo o mais devoto dos coroinhas tentava chegar perto. Era olhar para ele e desistir de qualquer boa intenção.

Era sempre o dono da bola, sem nunca ter tido uma. Cuspia quando falava, tinha dente podre, fedia o tempo todo, errava o português, carregava um monte de piolho e xingava a avó dos piores nomes. O típico galego do cabelo liso, louro, franja nos olhos cujo corpo era um sebo só. Encardido e boca suja. Unhas sujas que viviam na boca. Aspecto miserável que podia ter saído de uma mina de carvão. Repetente, mais da metade do ano letivo passava na diretoria.

Ele tinha a capacidade de reunir contra os meninos aquele veneno que a raiva e a inveja borrifam dentro da gente, mas principalmente de quem tem espírito fraco. Os mais bonitos e populares eram seu alvo predileto. Olhava para eles como quem olha o inimigo da infantaria. Ficava dias, e até semanas, arquitetando o plano que arruinaria a vida do próximo. E depois do próximo e do próximo e mais outro e depois de quem fosse. Bastava olhar atravessado.

A vingança da tarde da segunda quinta-feira de outubro daquele ano não chegou a acontecer. Os garotos não sabiam o que fazer quando viram o corpo estendido ali no chão. A mesma camiseta laranja que ele nunca tirava do corpo, tão surrada e cheia de buracos. A bermuda cinza suja do pó do asfalto. O arranhado no joelho, uma pequena mancha de cor rosa, revelando a casquinha retirada há pouco tempo, onde brincavam três formigas vermelhas. E o buraco na testa do corpo menino morto.

A bicicleta roubada no dia anterior agora se resumia a um monte de tubos, aros, rodas e guidão estilhaçados de uma forma quase impossível de imaginar, se esta história não fosse verdade. Por infelicidade, azar ou acaso, o menino, que guiava o brinquedo com a excitação de quem está no auge da uma desforra, foi de encontro a um velho Gol vermelho que vinha em alta velocidade. O motorista, embriagado, só bateu a cabeça no para-choque e torceu um pouco o pé direito. O diabo não teve a mesma sorte, vítima da semente podre da qual nasceu.

Naquela época, eu era uma espécie da namoradinha do dono da bicicleta e única amiga do menino-diabo. Ainda hoje consigo lembrar dos três toques secos que minha tia deu na porta do banheiro tentando me avisar, enquanto eu enxugava os cabelos com a toalha. Quando ela encontrou o tom de proteção para dar à voz, como os adultos fazem em horas como essas, eu já sabia de tudo.

Hoje, depois de tantos anos, não busco nem preciso de explicações. O passado e a morte são damas velhas e caprichosas que não se deixam analisar. O que sei é que tem certas existências que não deixam nenhum rastro. Pelo menos que eu me lembre, ele não deixou nenhum.

Não deixou nenhum carrinho de rolimã quebrado na garagem.
Não deixou cadernos de desenhos, nem de caligrafia. Nem papéis rabiscados com seu nome.
Não deixo um vira-lata chamado Sargento.
Nem deixou a saudade de um irmão.

Quando morreu, o menino-demônio tinha 11 anos.
Adriano seu nome.

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